quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Victória para um desobediente

"Temos a obrigação moral de desobedecer a leis injustas"



“A vida afectiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo”. Miguel Torga

-Tão ligeira que caminha! Quantos anos tem?
-87 para o mês que vem! Caminho todos os dias e vou conversar com quem já não pode andar!
A frase veio de uma boca com menos dentes e um sorriso maior que o seu metro e meio de altura.
Sorriu sem parar de caminhar. Passo leve e ligeiro. Acompanhei-a.
- Tem um segredo para a sua vida?
-Dar passos todos os dias. Os passos são as decisões. Não interessa se são boas ou más. Decido sair e cuidar de mim e cuidar de alguém. Todos os dias. E esperar o melhor.
De novo o sorriso se abria como o sol por entre as nuvens. Tal como ele, o sol, ela, estava-me a dizer que mesmo quando as nuvens decidem deixar correr as suas lágrimas, logo vem o sol cobri-las de beijos quentes e secá-las.
-O que faz a menina?
-Escrevo e experimento tudo o que a vida me traz, respondi timidamente. E também espero sempre o melhor!
-E espera o melhor…bem vou continuar, não posso parar. Cuide-se menina. Dê um passo todos os dias. Cuide dos seus e dos que não são seus. Há pessoas que precisam de saber que alguém pensa neles.
- Talvez com as minhas palavras…alguém precise delas…
- Se derem um passo na direcção de um coração, está a cuidar de alguém.
Despedimo-nos e fiquei a vê-la desaparecer na aldeia. Uma desconhecida que me trazia afecto.
Um gesto, uma palavra, uma música, uma poesia, um pão, uma sopa, uma flor, um cobertor, um livro, uma festa…é um passo para chegarmos ao mundo dos afectos de alguém. Quer o conheçamos ou não.
O micro-cosmos individual e interno: o nosso mundo dos afectos, desajustado e desordenado, talvez reflicta o cosmos exterior. Juntei as palavras da velha com as de Torga.
Se o micro mundo estiver em ordem, tudo o mais pode ser caos, que saberemos dar passos em direcção aos outros e esperar o melhor.
Se no micro mundo o caos se sentar, nada mais terá ordem. Paralisamos. E nada mais é importante.
E no entanto toda a importância e vitalidade das nossas capacidades, como seres plenos reside no passo que dermos para equilibrar este micro cosmos.
Num mundo disfuncional, normal seríamos tomarmos a decisão, já hoje, de sermos desobedientes. Para bem da nossa vida afectiva que comanda tudo o resto.
Como há quem saiba fazer: ordenar o micro cosmos dos nossos afectos. E dar passos para cuidarmos uns dos outros. E de chegar aos outros.

Esperando o melhor.

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