quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Outros como nós


encolhemos os ombros 
ao ouvir falar de outros como nós
imigrantes mortos
com fome de vida
baixamos os olhos
envergonhados
aos mortos, aos abandonados como nós
por outros como nós
ao relembrar imagens de outros como nós 
de pijamas às riscas
em valas comuns
deixados em cinzas irrespiráveis 
por outros como nós
abanamos a cabeça
perante fogueiras que queimaram
outros como nós
por outros como nós
fechamos os olhos sem entender quando lembramos
outros como nós
em galés de escravos amontoados
num misto de sangue, excrementos 
e sal de lágrimas
dobrados por outros como nós
cerramos os dentes as saber da exploração
de homens,mulheres e crianças como nós
que perderam a inocência
violentados na sua dignidade suprema
por outros como nós
sentimos o sangue correr quente
por mulheres e crianças 
raptadas, violadas, mortas, 
deixadas à vontade 
de mãos com cheiro a morte
de outros como nós
enquanto pensamos que nada podemos fazer 
perante a destruição,
a guerra, 
a opressão, 
a violência
a fome
que como erva virulenta 
se espalha e destrói
na Rússia, no Iraque, na Síria
no Mediterrâneo, na Índia, na Europa,
em África, no Afeganistão
em nome da ganância, do sexo,
do poder, do dinheiro, 
numa História longa de sofrimento 
nós os outros pensamos 
-este mundo é alheio a nós

relembremos enquanto ainda sentimos vida
prazer e amor
enquanto ainda sonhamos e criamos 
mundos de poesia, momentos de alegria
que não morremos 
e precisamos acreditar
que precisamos nos salvar
que se matamos, violamos, 
violentamos, agredimos 
e não agimos, 
se não temos a audácia, a coragem
de defender, de honrar
construindo laços
com outros como nós,
enfrentando os demónios 
dos outros como nós
saberemos que somos todos nós
responsáveis,
que todos os que somos nós,
do passado, do presente
do futuro
fomos, somos e seremos 
um mundo sem triunfo
feito para nós
por nós 
e outros como nós
sempre nós,
sós

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