sábado, 22 de agosto de 2015

Pinheiros, finitude, ouro e fascismo

Eu era uma criança de sete/oito anos, apanhava pinhas para retirar os pinhões, que partia com uma pedra para comer o seu fruto. 
O meu avô, que me dava livros que falavam de algo desconhecido como a liberdade, ensinou-me o valor que ela tinha. Vivia-se na ditadura em Portugal. A maioria das pessoas era pobre. Eu era pobre. Nada faltava na mesa,mas os sacrifícios eram grandes. Nem eu tinha consciência quanto.
Enquanto partíamos pinhões o meu avô explicava-me Goethe e Tolstoi.
A filosofia escorria por entre os dedos cheios de resina.
Agir e unir a finitude ao infinito da e na vida, era o sentido que eu deveria encontrar no tempo que por cá passasse explicava-me ele.
O meu avô passava-me toda a informação que podia, porque sabia que o seu tempo era finito. Eu, como qualquer criança era uma esponja, mesmo não entendendo bem as suas razões, absorvia os seus ensinamentos enquanto comia pinhões com dedos resinentos e ar descontraído.
Na altura, o que mais preocupava o meu avô era o fascismo. Que eu vivesse a minha vida debaixo de uma ditadura sem conhecer a liberdade. No seu tempo, em África, na América Latina avançava o fascismo da colonização. Do saque do ouro e demais recursos preciosos para encher cofres. Sem os fascismos tal não seria possível. As guerras faziam-se em nome dele. O meu avô passou por duas grandes guerras e sabia-o. Não queria que eu vivesse apenas conhecendo essa realidade. Por isso me encaminhava para o passeio da filosofia e da literatura.
Hoje o que mais me preocupa é o avanço a galope dos fascismos. Onde vivo, na terra do meu avô sendo eu própria já avó.
Onde os pinhões deixaram quase de existir, não tenho pinheiros para ir partir pinhas com a minha neta e/ou e encher os dedos de resina. Onde os pinhões custam um preço que não posso comprar. Onde voltei a ser pobre. Por causa de fascismos.
De onde estou transporto o olhar ao outro lado do Atlântico no Hemisfério Norte, do Mediterrâneo, do Mar Morto, ao Hemisfério Sul, na Europa, por todos os mares navegados e, vejo-o a bramir a bandeira em cada pedra dos muros que o fascismo constrói.
Se vivo preocupada com a minha sobrevivência, rodeada de escassez imposta pelo dinheiro e falta de liberdade, onde encontrarei o tempo e o pinheiro, necessários para a filosofia? Para unir a finitude ao infinito da e na vida, que é o sentido que eu tenho de encontrar no tempo que cá passo, conforme aquele homem bonito me ensinou e, como eu quero ensinar à minha neta?
Imagino-a a viver em liberdade. A partir pinhões e a comê-los com dedos resinentos e a ouvir conversas de filosofia.
Sem a escravidão imposta pela monetarização do tempo de vida.
Para que possa unir o finito ao infinito dos tempos.
Hoje, tal como o meu avô, tive uma vida a assistir ao saque dos recursos na minha terra África e na Europa, à implementação de novas formas de ditaduras e novos saques, ao enriquecimento dos saqueadores, ao abafar da liberdade.
Hoje tal como o meu avô, enquanto lhe escrevo histórias que falam de liberdade e filosofia, e, com ela brinco com os pés sujos de terra num lugar onde já não crescem pinheiros, a preocupação que tenho para a vida da minha neta é o avanço vergonhoso que vejo aos fascismos.

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